Prevista para acontecer em 2022, a privatização do Serpro (Serviço Federal de Processamento de Dados) foi tema de um estudo da Data Privacy Brasil, Desafios Jurídicos e Regulatórios da Privatização do Serpro. No documento, Diogo R. Coutinho, professor da Universidade de São Paulo, mostra que a operação pode causar uso indevido de dados.
Criada em 1964, o Serpro é hoje um dos principais provedores de soluções tecnológicas para o Estado brasileiro, responsável por desenvolver diversos sistemas estratégicos, como a declaração de imposto de renda, o CPF (cadastro de pessoa física), o CNPJ (cadastro nacional de pessoa jurídica), a nota fiscal eletrônica, entre outros.
O serviço foi incluído no Programa Nacional de Desestatização (PND) do governo federal no ano passado, por meio do Decreto Presidencial n° 10.206.
Para o especialista, a Autoridade Nacional de Proteção de Dados Pessoais (ANPD) tem um papel fundamental na operação, devendo atuar como reguladora no processo. No entanto, a ANPD ainda não está inteiramente estruturada como órgão regulador.
“A preparação da privatização do Serpro está em curso sem que a autoridade reguladora de dados pessoais no país tenha (i) terminado de se organizar, (ii) tratado, com base em suas competências, de diversos temas cruciais na forma de regulamentos e estudos (relatórios), dentre os quais o regime das empresas estatais de processamentos de dados e (iii) tido a oportunidade de se debruçar sobre o caso do Serpro em particular”, diz o documento.
Outra questão está na indefinição quanto aos planos para a empresa. “O Serpro privatizado terá os privilégios de que hoje goza? Se a resposta for positiva, haverá uma troca de ‘monopólio’ público por ‘monopólio’ privado. Que boas razões justificam isso?”, questiona Coutinho.
Um dos pontos mais sensíveis do processo é o destino dos bancos de dados do Serpro. “A insegurança jurídica poderá minar não apenas as pretensões privatizantes do governo ao tornar incerta a atuação da futura empresa privada, como –mais grave– poderá provocar o desmantelamento de importantes ações públicas na área de tecnologia da informação e processamento de dados. Poderá, ainda –de forma não menos indesejável–, acarretar ou agravar a comercialização indevida e não consentida de dados pessoais por uma empresa privada que os obteve a partir de uma coleta original voltada a outras finalidades”, destaca.
Além disso, Coutinho acredita que não há motivação nem reflexão suficientes sobre a necessidade de privatizar o Serpro nos documentos disponíveis sobre o processo de privatização.
O relatório também apresenta uma nota técnica do Ministério Público Federal, que apontou alguns obstáculos à venda da empresa. Um deles trata da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), que proíbe o tratamento de dados pessoais “para fins de segurança pública, segurança do Estado ou investigações criminais” realizado por empresa privada.
A nota também menciona que, por ter contratos com o Exército, a privatização do Serpro coloca em risco a segurança nacional.