Augusto Gadelha, professor e superintendente-geral de tecnologia da informação e comunicação da UFRJ, foi “cedido” ao Ministério da Ciência e Tecnologia (MCTI) para presidir a Ceitec quando foi anunciada sua retomada em 2023, saindo assim da lista de desativações do governo Bolsonaro.
Em breve conversa com a DPL News, o acadêmico e executivo, entre o cético e o realista, reconhece os desafios desse retorno, como a necessidade de longo prazo para retomar e modernizar a produção de semicondutores e a falta de grandes investimentos comparados a outros países. O valor destinado à Ceitec para 2025, pelo Orçamento Geral da União, foi de R$ 60 milhões, quantia considerada suficiente apenas para suas operações.
No entanto, ele também enfatiza o potencial da estatal de chips diante do programa Brasil Semicon, reforçando que a Ceitec não foi criada para gerar riqueza por meio da produção de semicondutores (ainda que essa seja uma vontade do governo Lula), mas para trazer competitividade tecnológica e conhecimento ao país. Acompanhe:
DPL News: Quando a CEITEC vai inaugurar a produção de semicondutores? Como está o processo de reinauguração do chão de fábrica?
Augusto Gadelha: Este ano, conseguimos vender alguns semicondutores da tecnologia anterior que tínhamos a hospitais, como o Grupo Hospitalar Conceição em Porto Alegre, e para uma empresa interessada em nossos identificadores por rádio frequência. Devido à interrupção da fábrica, perdemos nossos clientes e estamos empenhados em recuperá-los, fazendo com que se interessem novamente pelos produtos que já produzíamos.
Em relação à nova rota tecnológica que estamos buscando, que envolve semicondutores de potência, isso exige a importação de máquinas e insumos essenciais para o processo de fabricação. Temos o conhecimento necessário para essa produção, mas, conforme o projeto que já apresentamos ao governo, esse processo levará de três a quatro anos. A importação de uma dessas máquinas, por exemplo, pode levar de seis meses a dois anos, desde a compra até a instalação e o início da produção. Portanto, para a nova tecnologia, precisaremos de pelo menos mais três anos.
Enquanto isso, com a tecnologia e o know-how que já possuímos, estamos começando a produzir e vender novamente nossos produtos anteriores.
DPL News: E os preços, são competitivos?
Augusto Gadelha: Veja, a ideia da Ceitec é ter competitividade tecnológica, de conhecimento. Apesar do pessoal ficar muito preso à questão da competitividade com outras empresas, nós temos que ter apenas a competitividade suficiente para termos algo novo. Nós não fomos criados para fazer o país ficar rico. Se o Brasil quisesse se posicionar como um player na fronteira da produção de semicondutores, precisaria investir mais de 20 bilhões de dólares, assim como fazem outros países. Em contraste, o investimento atual é de apenas um bilhão de reais em um período de 20 anos. O nosso objetivo é trazer competência para o país.
A Ceitec, muitas vezes vista como ‘aquela empresa lá no Rio Grande do Sul que não tem competência’, na verdade possui sim essa competência. Conseguimos atrair duas empresas estrangeiras que estão realizando um excelente trabalho no Brasil. Uma delas é a HT Micron, proveniente da Coreia do Sul, que se tornou uma das grandes empresas do setor no país, com faturamento superior a 1 bilhão de reais. Essa empresa se instalou no Rio Grande do Sul no mesmo momento em que criamos a Ceitec.
Portanto, temos a capacidade de não apenas tornar o Brasil mais atrativo para investimentos, mas também de formar recursos humanos e desenvolver nossa capacidade de produção. Essa é a nossa proposta. Diferentemente de uma empresa privada, a Ceitec tem a responsabilidade de implementar políticas públicas e investir em formação de recursos humanos no mercado.”
DPL News: Perfeito. E quais são as expectativas ou mesmo estimativas a longo prazo para a produção brasileira diante do programa Brasil Semicon?
Augusto Gadelha: Temos a capacidade de contribuir significativamente para o encapsulamento avançado dos semicondutores. No entanto, atualmente é pouco provável que tenhamos uma participação efetiva na produção global de chips. É importante entender que a produção de um chip começa com seu projeto, seguido pela fabricação do chip em dimensões cada vez menores, um processo que, hoje em dia, é dominado principalmente por Taiwan, responsável pela maioria dos chips do mundo.
Após a produção, esses chips são colocados em wafers, que retornam para nós. Aqui, realizamos o corte e o encapsulamento, vendendo o produto final para outras empresas.
Quanto a parcerias, estamos colaborando com universidades locais e americanas para definir tecnologias que podemos utilizar na fabricação. Além disso, já conversamos com mais quatro empresas que demonstraram interesse em possíveis novas parcerias. Contudo, esse é um processo demorado e que requer a aprovação do governo brasileiro, além de um compromisso claro de que a política brasileira de semicondutores será efetiva. Sem essa certeza, ninguém se sentirá incentivado a investir novamente na Ceitec ou no Brasil, especialmente após as interrupções que ocorreram anteriormente.
Sobre as empresas com as quais estamos em conversação, ainda não posso revelar seus nomes devido a um acordo de confidencialidade (Non-Disclosure Agreement).