Especialistas debatem se cabe à Anatel o papel de reguladora das big techs
No Projeto de Lei (PL) 2768/2022, de autoria do Deputado João Maia (PL-RN), mais do que propor uma regulamentação sobre as big techs, intenciona outorgar à Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) o papel de fiscalizadora. Mas estaria essa competência dentro do escopo da agência?
O conselheiro da Anatel, Alexandre Freire, diz que sim e o professor e ministro do STE Floriano de Azevedo Marques Neto, diz que não.
Ainda debatendo o fair share, que teve grande destaque nas discussões do Painel Telebrasil Summit 2023, o deputado João Maia, autor do PL, alega que o fato de o texto sugerir a Anatel como órgão regulador das big techs se dá porque as comunicações no Brasil se transformaram, assim como a atuação da própria agência, além de ser “mais barato, fácil e eficiente criar um diretório dentro da Anatel especializado neste tema, do que criar um órgão novo”.
Seguindo este pensamento, Freire enfatizou que a agência hoje cuida de temas desafiadores e que possui superintendências que desenvolvem trabalhos relacionados a comunicação digital e internet, numa concepção multissetorial, demonstrando ter condições para isso.
“Não estou dizendo que a Anatel pode lidar com essa problemática complexa sem repensar suas atribuições ou fazer uma ‘reengenharia’ institucional e pensar em uma nova política para essa nova missão”, esclareceu. “Mas a Anatel tem todas as virtudes institucionais para exercer a competência desse tema, inclusive porque quando o STF (Supremo Tribunal Federal) emite ordens para remoção de conteúdo ou de sites, ele atribui essa tarefa à Anatel.”
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O jurista Floriano de Azevedo rebateu dizendo que essa discussão não é da diretoria da Anatel, pois o tratamento de conteúdo é uma questão que vai muito além das competências da reguladora de telecomunicações. “Não acho que seria interessante para a Anatel entrar nessa senda de regulação de conteúdo, esses temas não são concebíveis se revisitarmos os artigos 60 e 19 da LGT (Lei Geral de Telecomunicações) – que tratam especificamente das redes e serviços de telecomunicações fim a fim”.
Para ele, a discussão sobre a outorga dessa missão à Anatel é válida, mas se de fato ocorrer, a reguladora precisará de grande reconfiguração.
Retorno sobre investimento vs. regulação de conteúdo
Os ânimos se intensificaram no debate mediado por Renata Mielli, coordenadora do CGI.Br (Comitê Gestor da Internet no Brasil), órgão que coordena e desenvolve as diretrizes para uso da internet no país e que se posicionou contra o fair share na tomada de subsídios da Anatel.
Freire alegou que o debate em torno dessa discussão tem sido propositalmente enviesado quando o cerne da questão é o retorno sobre investimentos.
“É preciso desvincular a discussão do fair share das questões de conteúdo, porque há necessidade de investimentos diante do grande fluxo de dados, e quem deve arcar com esses investimentos? Isso deve continuar só a cargo das operadoras de telefonia quando mais de 63% do uso do fluxo pertence às ATTs? Acho que o debate hoje é enviesado e esse enviesamento é intencional”, alfinetou.
Floriano de Azevedo mais uma vez rebateu, dizendo que mesmo que se considere só o compartilhamento de investimentos, o debate se aprofunda ainda mais, porque uma área em grande crescimento é a telemedicina que também demanda muita banda por conta do formato de atendimento em vídeo. “É um serviço essencial. Também será cobrado investimento da telemedicina?”
E finalizou dizendo que o fair share seria uma discussão de última instância, dados os problemas primordiais de conectividade do Brasil que estes sim, deveriam ser prioritários.
Por sua vez, o deputado Maia, disse entender esse ponto de vista e que o PL não surgiu por oposição às big techs, mas para iniciar o debate sobre a necessidade de sua regulação e que as audiências públicas organizadas pela deputada Any Ortiz (Cidadania-PR), buscam encontrar a melhor solução, inclusive a de não deixar a discussão se encerrar sem que seja tomada alguma medida, dada a morosidade dos processos da Câmara dos Deputados.