“Serviços semelhantes, regulação semelhante”, diz Marcos Ferrari sobre fair share

Nesta entrevista, o presidente-executivo da Conexis Brasil, Marcos Ferrari, aborda questões cruciais relacionadas à regulamentação do mercado digital e de telecomunicações no Brasil, pioneiro nesse debate na América Latina. Ferrari compartilha a visão da Conexis sobre o Projeto de Lei 2768/2022, que propõe atribuir à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) a regulamentação das gigantes do setor de tecnologia (Big Techs) primando pela igualdade na concorrência e a proteção dos direitos do consumidor.

Como um tópico de extrema relevância nos tempos atuais e com uma visão crítica sobre os desafios e oportunidades enfrentados no setor de telecomunicações, o assunto deve vir à tona no Painel Telebrasil Summit 2023, organizado pela entidade, e que acontecerá em Brasília, nos dias 12 e 13 de Setembro. Em primeira mão, você confere o ponto de vista das teles, a seguir:

Mayara Figueiredo: O PL de autoria do deputado João Maia (PL-RN), atribui a regulação do mercado digital para a Anatel. Contudo, as plataformas digitais têm algumas questões mais específicas, como a disseminação de fake news. O senhor acredita que a agência realmente tem plena condição de abarcar mais essa responsabilidade de regulação, levando em consideração essas particularidades? 

Marcos Ferrari: O conteúdo é um tema que não compete a nós operadores. Estamos mais preocupados com o modelo econômico, porque isso nos afeta diretamente. Lembrando que nós não queremos mais regulação, queremos menos regulação para nós, ou seja, igualdade de condições. Essa é a primeira premissa. Não faz sentido criar um novo órgão público para que possa regular as plataformas digitais porque isso vai aumentar ainda mais o Estado, que é um Estado pesado. Então, nós, no momento, temos uma posição a favor da reforma administrativa. A segunda premissa é que seja um órgão que tenha conhecimento técnico sobre o assunto, que detenha toda a massa crítica necessária para que faça uma regulação que equilibre o jogo. Hoje o jogo está muito desequilibrado, no qual nós fazemos todo o investimento e não capturamos o valor proporcional ao investimento que fazemos na rede. Entendemos que tem que ser um órgão que entenda do dinamismo que é esse setor, que entenda, que lidere o debate sobre o assunto, para que possamos ter condições de expandir a rede. Existe um dilema entre capacidade e cobertura.

Quanto mais as plataformas digitais ocupam a rede, mais difícil fica expandir a cobertura, porque é mais investimento que precisa ser feito nas regiões que já têm uma capacidade boa. E acaba por prejudicar a população vulnerável, de baixa renda, que vive em regiões periféricas, longe dos grandes centros. Então, entendemos que o órgão também precisa ter essa sensibilidade de liderar o compartilhamento de recursos. E a decisão, obviamente, cabe ao Congresso e ao Poder Executivo.

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Mayara Figueiredo: Então, em resumo, a importância do debate da justa contribuição é sobretudo porque as assimetrias regulatórias dificultam a expansão de rede?

Marcos Ferrari: É, porque existe sempre um trade-off. Como o investimento é finito e não é infinito, quando se investe em melhorar ainda mais a capacidade para atender as big techs, que ocupam 80% da nossa rede, pior fica a possibilidade de disponibilidade de cobertura em regiões remotas. É uma questão matemática. O investimento não é infinito. Existe todo um processo de captação de recursos, programação, planejamento das operadoras. Então, o ideal é que tenhamos condições de melhorar a cobertura. Porque, na verdade, nós sabemos que alguns milhões de cidadãos não conseguem ter acesso. Por falta de renda ou por falta de internet disponível de maneira significativa.

Mayara Figueiredo: Essa porcentagem de uso de tráfego pelas plataformas que o senhor fala, em “80%”, na audiência pública sobre o tema, na Câmara, o senhor disse “50%”. Poderia confirmar ao certo?

Marcos Ferrari: São duas coisas diferentes: 50% de ocupação da rede total. Quando eu faço corte só para a rede móvel, são 80%. 

Mayara Figueiredo: Certo, entendi.

Na consulta pública realizada pela Anatel, uma das perguntas era se existia alguma evidência de lacuna de investimentos nas redes de telecomunicações que requeresse intervenção regulatória. Algumas operadoras não justificaram isso, então a discussão é mais para manter as coisas em pé de igualdade?

Marcos Ferrari: É um conceito bem simples: serviços semelhantes, regulação semelhante. É simples assim. Nós temos, por exemplo, um alto investimento para atendimento ao consumidor, porque nós prezamos pelos consumidores. Então, toda vez que há alguma demanda, nós temos todos os nossos canais disponíveis para atendê-los. Primeiro, porque entendemos que tem que ser assim, temos que atendê-los bem. Segundo, porque existe uma obrigação regulatória da Anatel. O mesmo não ocorre com as plataformas digitais. Então, quando algum aplicativo de mensagem ou um “aplicativo de motorista” fica fora do ar, para quem o consumidor vai ligar? Não tem. Não ter o serviço ao consumidor significa não ter custo.

Então, nós estamos comparando. Existem serviços semelhantes, como mensageria e serviço de voz. Porém, as condições não são isonômicas. Uma tem uma altíssima regulação e a outra tem zero regulação. Isso gera um processo desigual de competição no mercado.

Mayara Figueiredo: Entendo. Agora um outro aspecto que gostaria de entender melhor, é sobre a criação de um fundo para arrecadação anual, mencionado em 2% da receita bruta das plataformas. Para quê ele deve ser destinado e de que forma o senhor acredita que ele possa, de fato, cumprir a finalidade para a qual ele será criado?

Marcos Ferrari: É um tema bem complexo, né? Porque nós não temos uma boa experiência com fundos. O nosso histórico aponta que os recursos arrecadados por fundos ou não são usados, ou não são usados na sua plenitude. Seria mais condizente se tivesse separado por taxas: o que é de “polícia”, o que é de fiscalização do órgão regulador. E o outro, um recurso no qual as plataformas digitais aportassem diretamente no investimento da rede. Porque se vai entrar na conta do tesouro, é difícil isso voltar para a política pública. Tendo em vista o valor que é arrecadado, é bem maior, para a fiscalização da Anatel, que é a taxa de polícia da Anatel, tendo em vista o FUST que nunca foi usado; a possibilidade de ser usado pela primeira vez foi neste ano, depois de 22 anos de sua criação. Melhor ter um mecanismo no qual as plataformas insiram o recurso diretamente no investimento da rede. Como? Precisa de diálogo, de conversar, de debate para que a gente possa achar o melhor caminho.

Mayara Figueiredo: Certo. Agora, falando em comparação com outros países, uns já têm alguma medida de tributação digital baseada nesse princípio de justa contribuição como é o caso da França, entre outros da europa. O senhor vê algum exemplo desses que possa ser adotado aqui pelo Brasil ou está de acordo com a totalidade de escrito no PL 2768? O senhor sugeriria alguma revisão no texto? 

Marcos Ferrari: O projeto de lei é o início de um debate. É um debate que se encerra apenas no que está na letra fria do texto. Estão ocorrendo audiências públicas, estão ocorrendo debates. Eu acho que o diálogo vai apontar o melhor caminho. Existem vários mecanismos que têm sido discutidos mundo afora. E aqui, eu tenho certeza que o Congresso, mediante debate aberto, franco, vai apontar o melhor caminho para o Brasil. 

Ainda é cedo. O Fair Share é um conceito relativamente recente. Então, nós entendemos que a participação das plataformas no investimento da rede ajuda, inclusive, a aperfeiçoar o próprio serviço delas. Para não estrangular a rede. Quanto mais estrangular a rede, mais difícil fica o serviço para elas e mais difícil fica para estabilizar o nosso investimento.

Mayara Figueiredo: Entendi. O senhor comentou que este é um conceito relativamente recente e, pegando esse gancho, o Brasil é o primeiro país da América Latina a debater esse assunto. Gostaria de saber do senhor o que a América Latina pode aprender com esse processo em andamento no Brasil.

Marcos Ferrari: Olha, o Brasil tem um dos maiores mercados de telecomunicação do mundo. 80% da rede móvel é ocupada pelas três grandes plataformas. São três portais. O brasileiro é um dos conectados nas plataformas digitais. Então, eu acho que, não só para a América Latina, mas para o mundo, o Brasil pode oferecer um modelo de resolução desse conflito de maneira bastante positiva. Uma vez que temos condições ideais para que possamos fazer o diálogo, o debate, e fornecer uma solução que é confiável, tanto para a América Latina como para a Europa e para o resto do mundo.

Mayara Figueiredo: O senhor acha que o governo poderia determinar um percentual ou valor para investimento em infraestrutura? A partir de quanto? Isso poderia vir de um acordo com entidades privadas?

Marcos Ferrari: Olha, novamente, o diálogo vai levar ao melhor caminho. Mas há várias possibilidades. 

Não quero apontar nenhum caminho que seja o melhor, porque depende muito do debate.  Mas aportes de recursos diretamente na rede, liberação da negociação direta entre a operadora e as plataformas digitais, existem vários modelos que vão surgir na mesa naturalmente e, dessa forma, ter o melhor caminho.

Mayara Figueiredo: Perfeito. A última pergunta, um pouco fora desse tema, é sobre reforma tributária. A Conexis planeja alguma articulação junto ao Senado, antes da aprovação final do texto, sobre uma alíquota diferenciada para o setor de telecomunicações?

Marcos Ferrari: Nós entendemos que o setor de telecomunicações mereceria uma alíquota diferenciada, simplesmente devido à sua essencialidade. Todos os bens essenciais, primeiro, tem que estar fora de maneira contundente do chamado imposto aditivo. Segundo, telecomunicações é a energia do futuro. Então, o setor de telecomunicações tem que ter uma alíquota diferenciada, porque ele vai ser a base das cabeças produtivas da economia digital.

Então, entendemos que sim, precisamos ter uma alíquota diferenciada e vamos dialogar com o Senado para que possamos ter esse tratamento diferenciado e para que não haja aumento de carga tributária na fase de transição.

É uma transição de longo prazo, são sete anos. Então estamos dialogando com o Senado, de maneira muito transparente, as nossas preocupações, sempre com foco no consumidor, em como ter a melhor forma de tributar, que favoreça o acesso à tecnologia, para que de fato tenhamos um processo de inclusão sociodigital e melhora econômica.

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