AGC 2025 | Debate sobre faixa de 6 GHz expõe dilema estratégico e econômico do wi-fi no Brasil
Apesar da defesa da integralidade do espectro para o uso não licenciado com um olhar técnico e econômico, setor de pequenos provedores de internet já vislumbram a divisão e miram uso outdoor.
São Paulo, Brasil. – O uso da faixa de 6 GHz segue no centro de um dos debates mais estratégicos da atual agenda regulatória de telecomunicações e não passaria em branco durante o Abrint Global Congress (AGC) 2025, enquanto uma das principais bandeiras dos pequenos provedores de internet.
Nesta quinta-feira (8), em conversa com jornalistas, o presidente da Abrint, Breno Vale, disse que o setor irá até o fim na briga pelo uso integral da faixa para o wi-fi, após a Anatel anunciá-la como um dos espectros que entrará no rol dos leilões para as redes móveis.
Contudo, no painel que ocorreu sobre o tema em seguida, apesar de reforçar esse posicionamento, Cristiane Sanches disse que se houver de fato a divisão, então que a parte “incontroversa” vá para o uso outdoor, que ainda não está liberado no Brasil.
“Se a Anatel já tem clareza sobre uma parte da faixa, então que libere ao menos para o ambiente outdoor”, defendeu Sanches. Segundo ela, o uso externo é viável e seguro com o apoio do sistema AFC (Automated Frequency Coordination), já implementado por países como Estados Unidos e Canadá.
“O sistema AFC faz a gestão do espectro, olha os canais livres e evita interferências. Esse sistema está pronto e já funciona pelos governos americano e canadense. Nós já temos um acordo de liberação pronto para usá-lo, ajudaria bastante”, afirmou.
Ela também destacou que a canalização dos 320 MHz é fundamental para o funcionamento eficiente nesse ambiente e reiterou que, mesmo enquanto o debate sobre a divisão da faixa permanece em aberto, há avanços possíveis que não precisam mais esperar.
Além disso, ela comparou a quantidade de espectro disponível e ocioso para as redes móveis (em torno de 22 mil MHz), enquanto o uso para banda larga fixa é ínfimo, o que classificou como um “disparate”.
Sanches reiterou ainda que a defesa pela integralidade da faixa de 6 GHz para o wi-fi se sustenta em critérios técnicos e na realidade do uso das redes no país. “Hoje, 87% dos brasileiros preferem o wi-fi, e é por ele que trafega a maior parte dos dados, especialmente em ambientes internos”, pontuou.
Ela argumentou que o debate vai além da conectividade sem fio e deve considerar o papel estrutural das redes fixas e circuitos satelitais que também utilizam a faixa. “Não se trata apenas de entregar banda larga para o cliente. Estamos falando de um recurso estratégico para toda a cadeia de infraestrutura, que tem impacto direto sobre o ecossistema digital do país.”
Segundo Martha Suárez, presidente da Dynamic Spectrum Alliance (DSA), a posição anteriormente unificada das Américas em favor do uso não licenciado vem sendo fragmentada e acrescentou que países como o Reino Unido já estão discutindo o uso da parte baixa da faixa para aplicações externas.
Ainda assim, ela lembra que a maior parte da Europa prioriza a faixa de 6 GHz para o wi-fi e prevê destinar blocos deste espectro para redes móveis apenas quando e se houver necessidade comprovada.
“As operadoras ainda não precisam dessa faixa antes de 2030”, relembrou. Suárez citou ainda estudo que aponta um impacto econômico expressivo do uso não licenciado no Brasil: em 2021, estimou-se um benefício de US$ 13 bilhões, número que tende a crescer com o aumento da densidade e da velocidade de conexões domiciliares. Só nos Estados Unidos, cada residência possui em média 24 dispositivos conectados, entre eles, de IoT.
A preocupação com os impactos sociais da possível divisão da faixa também tem sido levantada por organizações como a Artigo 19, ONG voltada para o direito de expressão. Para Raquel Renno, representante da entidade, trata-se de um debate que envolve o direito à comunicação.
“O espectro é um recurso finito. Leiloar para um único tipo de uso não está alinhado com as necessidades atuais e futuras da tecnologia”, afirmou. Renno ressaltou que no Brasil 75% dos dados trafegam em redes indoor; cenário em que o wi-fi, segundo ela, oferece mais controle e segurança do que as redes móveis.