Jorge Fernando Negrete P.
“Nada se assemelha mais ao pensamento mítico do que a ideologia política.”
“O homem sábio não é aquele que dá as respostas verdadeiras, é aquele que faz as perguntas verdadeiras.” Claude Levi Strauss
Nunca foram tão acertadas as afirmações deste pensador vital, em nossa civilização.
Entre o medo e o desejo. A inteligência artificial (IA) nasceu com o nome da geopolítica em sua testa. A geopolítica confessa não apenas medo, mas sua carência, sua profunda ausência. A regulamentação digital já vinha sendo a primeira fronteira entre Europa, EUA e China, mas a IA desperta todos os medos e todos os desejos ao mesmo tempo. O obscuro objeto do desejo, diria Luis Buñuel.
Entre o mito e a ideologia. A Europa insiste em regular a IA sob os princípios democráticos ocidentais. Mas, esses princípios existem? Não, eles estão sendo debatidos em todo o Ocidente neste momento. Podemos falar de princípios compreendidos de forma semelhante em todo o Ocidente? Não.
Existem elementos comuns que se traduzem em aproximações jurídicas e políticas, mas nunca estiveram tão distantes de um conceito único de democracia e direitos humanos. Lévi-Strauss define esse debate de forma contundente assim:
“Ser humano significa, para cada um de nós, pertencer a uma classe, a uma sociedade, a um país, a um continente e a uma civilização; e para nós, os habitantes europeus, a aventura desenvolvida no coração do Novo Mundo significa que não era o nosso mundo.”
Falar de IA no contexto político global atual significa falar de conceitos polissêmicos, onde essa questão é compreendida de forma distinta na Europa, EUA, China e América Latina. A palavra IA se transforma em ideologia, poder político, medo e desejo.
O obscuro objeto do desejo. A regulamentação do mundo digital é produto de alianças regionais e de visões comuns. A estratégia global que busca regular a IA entende isso, e é por isso que todos querem ser a plataforma de regulamentação da tecnologia digital e da IA.
Os esforços globais nesta área são liderados pela OCDE, pela UNESCO, pela ONUDI, pela Aliança Europeia de IA, pela Aliança Global sobre a IA, pelo G7 e pelo grupo de Hiroshima; assim como pelos documentos específicos emitidos pela China (Lei Geral Reguladora da IA e, paralelamente, a específica sobre IA Generativa) e pelo presidente Biden (Plano Estratégico Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento da IA, a Declaração de Direitos em matéria de IA e a Ordem Executiva que ordena às agências federais a eliminação de vieses no design e uso da IA e a proteção do público contra a discriminação algorítmica). O Conselho da UE emitiu o regulamento europeu de uso da IA.
Quais são as perguntas verdadeiras ou corretas? A América Latina deve começar a negociar sua regulamentação digital sob princípios democráticos europeus? Não. A América Latina deve iniciar a criação de um modelo integrador no estilo europeu? Não. Deve propor a criação de um mercado único digital latino-americano? Sim. Nesta lógica, a América Latina precisa fazer seu trabalho. Carlos Baigorri, presidente do poderoso regulador brasileiro de telecomunicações, destacou a necessidade de criar primeiro um Mercado Digital Latino-Americano. Ele está correto.
Nesta lógica, o Ministério TIC da Colômbia, liderado por Mauricio Lizcano, organizará a Cúpula Ministerial Latino-Americana e do Caribe sobre Inteligência Artificial: ColombIA, onde especialistas e líderes nacionais e estrangeiros debaterão sobre o presente e o futuro dessa tecnologia na região.
A Colômbia busca se posicionar como líder nesta área, particularmente no design de políticas públicas e na implementação social e econômica da tecnologia. A proposta da Colômbia é apostar sem medo nos usos da IA.
O México e a América Latina têm este encontro inevitável com o destino, mas juntos. Não há legislação digital nem regulamentação sem um mercado digital latino-americano. A política pública é o princípio e é inevitável.
A IA é o obscuro objeto de desejo.
Presidente da DPL Group
X / @fernegretep