Jorge Fernando Negrete P.
Democracia. “Estamos diante de uma instituição reconhecida com o mesmo nome em vários países, mas regulada, compreendida e estudada de forma diferente em todos eles”: Robert Dahl.
O mesmo se aplica à carta digital de direitos. Quem pode estar contra este documento apresentado e aprovado durante a XXVIII Cúpula Ibero-Americana de Chefes de Estado e de Governo? Ninguém. E quem pode estar contra a carta de direitos fundamentais da União Europeia: “Os povos da Europa, unindo-se cada vez mais estreitamente, decidiram partilhar um futuro pacífico baseado em valores comuns”? Ninguém.
Mas podemos nos perguntar: no mundo dos direitos fundamentais, estamos todos de acordo sobre quais são, sua equivalência e alcance no mundo digital da América Latina? Não. O que se pensa sobre direitos fundamentais no mundo digital em cada país? Se discute a agenda de direitos humanos na região ou só a perspectiva europeia? As prioridades digitais da América Latina e a carta coincidem? Qual é o impacto desta carta nos modelos de negócios que já geram bem-estar na América Latina e no México?
A Secretaria-Geral Ibero-Americana destaca em sua declaração: “a Carta Ibero-Americana… torna-se uma referência para orientar a atualização das normativas nacionais para que a construção da sociedade da informação seja centrada nas pessoas e os direitos humanos sejam protegidos no ambiente digital. Da mesma forma, para que os avanços tecnológicos atuais ampliem o acesso a direitos, os países ibero-americanos concordam… em promover ambientes digitais seguros que garantem a privacidade, desenvolver ações para combater a desinformação e promover a livre escolha de serviços e conteúdos digitais”.
Uma Carta de Direitos Digital é o mesmo que uma Agenda Digital? Não. Uma agenda digital nasce no contexto das políticas públicas. Identifica a lacuna de acesso e outras lacunas derivadas, identifica o seu custo, pressupõe um plano de trabalho, gera indicadores de medição e torna-se um roteiro certo e determinado.
Uma Carta de Direitos Digitais pressupõe o reconhecimento de um direito fundamental que possibilita o direito de acesso à Internet (inclusão digital) e a garantia de sua proteção no ambiente digital, sem prejuízo, dano ou violação do bem-estar digital.
Este direito possibilita todos os outros direitos fundamentais como um todo e são indivisíveis e interdependentes. Nenhum com prioridade sobre o outro. Mas a carta espanhola, aprovada para a Ibero-América, favorece a privacidade e as batalhas que trava contra os EUA e a China.
Uma carta de direitos deve ser alheia às agendas políticas regionais, à geopolítica e harmonizar profundamente os conceitos jurídicos, para não destruir o efeito protetor e garantidor dos direitos fundamentais no ambiente digital.
Um exemplo. Enquanto na Espanha se fala de precarização do trabalho nas plataformas digitais, e o conceito de plataforma de mobilidade foi interrompido, na América Latina essas mesmas empresas de Internet geraram a maior quantidade de empregos no menor tempo possível de que se tem memória.
Lá fica precário, aqui gera empregos. Lá ninguém dá seu WhatsApp, mas na América Latina pedreiros, carpinteiros, taxistas e trabalhadores imediatamente dão seu número nessa plataforma. A privacidade na Europa a protege dos EUA, regula o fluxo de dados transfronteiriço e cria a sua própria rede de Data Centers. Na América Latina, são criados hubs digitais como Chile, México, Brasil e Colômbia, de mãos dadas com os Estados Unidos. O constitucionalismo digital privilegia o bem-estar digital, não sua destruição.
A má interpretação deste documento pode gerar uma escalada do populismo regulatório e importar a agenda política e econômica da Europa, gerando um Colonialismo Digital europeu involuntário na América Latina e uma violação sistemática da primeira geração de direitos digitais.
Presidente de Digital Policy & Law
Twitter @fernegretep