Jorge F. Negrete P.
As palavras e as línguas são construídas a partir de viagens e conquistas. Gregos sobre romanos, romanos sobre germânicos; árabes sobre romanos, vândalos, suevos e bascos sobre culturas ibéricas; espanhóis sobre astecas e incas; astecas sobre tlaxcaltecas. Nossas línguas testemunham a jornada das palavras viajantes no tempo, onde nomeamos pessoas ou lugares. Palavras poderosas desde tempos imemoriais persas, árabes, egípcias e que se misturam nas terras da América.
Sou minha palavra e minhas viagens, testemunha de uma sociedade que nasce, a digital. Mas também sou ator e polemista da oportunidade e das adversidades do recurso digital. A dualidade oferecida pela tecnologia digital se resume em uma divisa literária e filosófica que chamamos de “dilema”. Bom ou ruim?, domínio ou liberdade?, liberdade ou regulamentação?
A língua espanhola é uma língua forjada por viajantes, andarilhos e imigrantes, como apontava Carlos Fuentes. A língua digital sofre do mesmo fenômeno. Infraestrutura digital, conectividade, aplicativos, software, data centers, edge computing, WiFi 6, internet das coisas, inteligência artificial, geopolítica e diplomacia digital são palavras que se integram às línguas em nossa região, ao português e espanhol; enriquecem-nas e colocam no mapa o desenvolvimento econômico, as políticas públicas e os direitos humanos.
A jornada neste 2023 começou no Mobile World Congress, com ares de Nereida mediterrânea, onde a expressão “direitos digitais” saltou para o espaço ibero-americano pelas mãos da Espanha e integrou a agenda da Secretaria-Geral Ibero-americana.
A “inclusão digital” foi discutida pela primeira vez em março em Bogotá, envolta em dois eventos geopolíticos liderados por Margaret Vestager e a proposta da Global Gateway e dos Estados Unidos sobre o tema 5G; e posteriormente, durante o último trimestre deste ano, em Lima, acompanhada pela expressão “compartilhamento de infraestrutura”. Um debate que se origina da competição por infraestrutura norte-americana e brasileira e, a outra, com influências europeias.
O Equador adiou seu lançamento do 5G devido às eleições e à insegurança na renovação de concessões, resultando na perda de oportunidades de investimento e desenvolvimento. O Chile lidera em cibersegurança, mas quebrou sua tradição e neutralidade tecnológica ao licitar a faixa de 3,5, prejudicando o acesso ao 5G para seus cidadãos, embora continue liderando e superando todos os indicadores digitais, com notável eficiência.
A palavra mágica foi inteligência artificial. Ela surge com o apoio e a regulamentação do governo norte-americano e a feroz competição entre OpenAI (ChatGPT), Google (Bard) e Microsoft (Copilot). A iniciativa norte-americana nasce com o anúncio de 5.000 MHz para a indústria móvel e a lei de processadores e ciência e tecnologia. Simultaneamente, surge o conceito de “economia do lítio” diante do renascimento desta poderosa indústria.
A Europa lança seu quadro geral para regular a Inteligência Artificial e se integra aos esforços da UNESCO, ao grupo de Hiroshima e ao G7. Geopolítica em sua expressão máxima.
A fibra óptica se torna o “new kid on the town”. Dezenas de estudos e relatórios destacam a importância e as oportunidades desta indústria em toda a região. Não há sociedade digital competitiva nem 5G sem fibra.
Os eventos México 5G e Colômbia 5G tornam-se polos de debate e cenários para inclusão digital, inovação e a chegada de ISPs (Provedores de Serviços de Internet) e Operadores Móveis Virtuais.
Este ano foi o ano das fintechs, inovação bancária, mas também pelo ano de redução de orçamentos para unicórnios e startups. Todas sob cuidados intensivos e monitorando resultados.
O cenário linguístico digital invadiu a política pública em toda a região. Os aventureiros, transformados em policymakers, consultores, legisladores, empresários e inovadores, fortaleceram a gramática de nossas línguas, diante da iminente chegada a um novo continente que chamaremos de “o território digital”.
Até 2024, boas festas!
Presidente da Digital Policy & Law
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