O Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social apresentou um recurso ao Ministério Público Federal, na semana passada, contra o arquivamento do inquérito que apurava o zero-rating praticado pelas operadoras no Brasil.
Trata-se de uma investigação solicitada pelo grupo sobre se a prática de zero-rating, isto é, fornecer acesso ilimitado a aplicações como WhatsApp, sem consumir os dados móveis, viola a neutralidade da rede.
De acordo com o recurso, o Procurador Patrick Montemor Ferreira pediu o arquivamento utilizando uma decisão do Conselho de Administração de Defesa Econômica (Cade), o qual afirmou que a prática não viola a concorrência; uma afirmação do Ministério das Comunicações, Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) e Comitê Gestor da Internet (CGI.br) de que a medida não afronta a neutralidade da rede; e dizendo que não há “comprovação de violação a práticas consumeristas”.
Quanto ao inquérito que tramitou no Cade, o Coletivo argumenta que a análise foi centrada no direito concorrencial, “até porque estaria fora das atribuições legais daquele órgão apurar o denunciado desrespeito à neutralidade da rede”.
Para o Intervozes, o CGI.br concluiu que “há violação da rede se alguns acessos foram bloqueados”. Isso acontece quando a franquia contratada pelo usuário acaba e o amplo acesso à Internet é impedido, sendo permitido apenas a utilização do Facebook, por exemplo, “em clara discriminação por aplicação”.
Por fim, o recurso diz que a alegação sobre o Ministério das Comunicações e a Anatel não se sustenta. As autoridades determinaram que deve prevalecer “um grau mínimo de intervenção pública” nos serviços de telecomunicações. Mas, segundo o documento, o pedido do Intervozes deve ser avaliado à luz da Constituição Federal, do Marco Civil da Internet e do Código de Defesa do Consumidor.
O artigo 9º do Marco Civil define que “o responsável pela transmissão, comutação ou roteamento tem o dever de tratar de forma isonômica quaisquer pacotes de dados, sem distinção por conteúdo, origem e destino, serviço, terminal ou aplicação”. Além disso, a constituição brasileira adota a livre iniciativa na exploração da atividade econômica, mas não afasta o poder regulatório estatal.
Acesso limitado
Flávia Lefévre, advogada especialista em direitos digitais e integrante do Intervozes, explica que a neutralidade da rede, assegurada por lei, é um mecanismo fundamental para garantir que não haja preferência para provedores, aplicativos e serviços da Internet e assegurar a liberdade de expressão.
“Se você tem um plano que em determinado momento é bloqueado e você não consegue acessar outras aplicações senão o Facebook e o WhatsApp, o seu direito ao livre fluxo de informação e à liberdade de expressão em outras aplicações é violado. Isso é um cerceamento claro de direitos fundamentais”, defendeu.
Lefèvre também esclareceu que o zero-rating costuma ser associado a planos com volumes de dados contratados muito baixos: “aqui no Brasil, a média é 1 GB, que é muito pouco, porque você não consegue assistir a um filme. Considerando a situação de pandemia, as crianças precisam assistir a aula, baixar documentos, as pessoas precisam trabalhar e usar os aplicativos para acessar serviços públicos”.
Essa limitação atinge principalmente a população mais pobre, pois “nas classes D e E, 86% dos usuários só acessam a Internet por dispositivos móveis e, na classe C, são 61%”, disse a especialista, citando dados de 2019 do Centro de Estudos sobre as Tecnologias da Informação e da Comunicação (Cetic.br).