“Para os estados, é mais fácil cobrar muito de poucas empresas do que pouco de muitas empresas”: Artur Coimbra

Leer en español

A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) pode antecipar a Agenda Regulatória de 2023 para já começar a elaborar um novo edital de concessão do Serviço Telefônico Fixo Comutado (STFC), caso seja necessário. A informação é do conselheiro Artur Coimbra, que assumiu o cargo em abril deste ano.

Em entrevista à DPL News, o conselheiro explicou o que acontece caso as concessionárias do STFC, cujos contratos vencem em 2025, não migrem para o modelo de autorização. Ele também disse que a Anatel tem interesse em simplificar os encargos setoriais, tanto para reduzir o custo administrativo das empresas, quanto para que as taxas sejam menos regressivas. “O pobre paga mais que o rico, proporcionalmente, na telefonia móvel. Isso é um tributo regressivo e o ideal seria que a gente revisse isso”, comentou.

Coimbra ainda defendeu a atuação de empresas de satélites de baixa órbita no Brasil, que têm a possibilidade de ampliar o acesso à banda larga em regiões remotas, onde não há rede terrestre. 

Veja a entrevista completa:

DPL News: Para começar, gostaria de saber quais são os desafios do seu mandato como conselheiro.

Artur Coimbra: Meu mandato não é muito longo, eu tenho cerca de dois anos e meio de mandato pela frente, mas nesse período eu creio que existem três ou quatro desafios que a gente pode enfrentar. O primeiro deles eu diria que é dar continuidade ao 5G. Vencido o processo de licitação do 5G, fazer com que efetivamente aconteça a implementação do 5G conforme esperado. 

A gente tem também um desafio especial que é deixar organizada as concessões de telefonias. Promover o processo de adaptação para aquelas concessionárias que assim desejarem, adaptar suas concessões transformando em autorização, mas também tratar o que será da concessão daqui para frente caso uma concessionária não migre.

Temos um desafio tributário que felizmente vem sendo vencido. Tivemos recentemente a aprovação do Projeto de Lei Complementar nº 18, que hoje se encontra em fase de sanção pelo Presidente da República [o texto foi sancionado no dia da entrevista] que implica uma redução do ICMS sobre serviços de telecomunicações. É algo bastante importante para o setor e esperado há mais de duas décadas.

Temos também o desafio que é uma questão de infraestrutura, o compartilhamento de postes. Os postes de energia elétrica são utilizados também para rede de telecomunicações e, no Brasil, isso se encontra bastante desordenado e vem trazendo dificuldades para implantação de rede. Há uma dificuldade de cooperação entre operadoras de telecomunicações e empresas de energia. Portanto, criar um ambiente regulatório que permita essa cooperação e que torne esse processo de compartilhamento de postes algo atrativo, tanto para operadora de telecom, quanto para distribuidoras de energia, é um desafio nesse período.

Relacionado: Preço alto pelo compartilhamento de postes inviabiliza serviços de telecom

DPL News: Uma novidade no Conselho Diretor é a divisão temática dos conselheiros. O senhor ficou com o tema da migração das concessões de STFC e questões tributárias. Qual sua visão sobre essa forma de gestão?

Artur Coimbra: O presidente Carlos Baigorri é um servidor da Anatel há mais de 10 anos e ele tem conhecimento profundo sobre as dificuldades de gestão que existem dentro da Agência. Entendo que a proposta dele foi muito lúcida porque, por um lado, permite a criação de um liame embrionário entre o Conselho Diretor e a área técnica da Agência sobre aqueles assuntos sem, contudo, entregar um assunto à exclusividade de um determinado conselheiro, afinal, estamos tratando de um colegiado, todos os conselheiros têm direito igual de manifestação. 

Ao fazer isso, tem-se uma oportunidade para que os assuntos que saem da área técnica em direção ao Conselho já venham calibrados conforme as orientações do próprio Conselho. Quando não havia esse tipo de alocação de curadorias, existia uma grande separação entre a área técnica e o Conselho, e muitas vezes os projetos que chegavam da área técnica eram totalmente remodelados. Isso é ruim para o Conselho, é ruim para área técnica, é ruim para Agência como um todo. Eu julgo que foi uma decisão acertada do presidente para melhorar a gestão da Agência.

DPL News: Sobre o tema da migração de concessão para autorização do STFC, qual sua expectativa em relação à migração? O que acontece se as empresas não quiserem migrar e devolverem a concessão?

Artur Coimbra: A minha expectativa é que todas migrem porque entendo que a migração é boa para as concessionárias, para a Anatel e para a União, tanto por segurança jurídica, como pela desmobilização de investimentos que hoje são desnecessários. Você não precisa ter uma planta de STFC, então a adaptação permite que você remodele sua rede e realoque capital de maneira mais eficiente. Isso é bom para as empresas, para a União, bom sobretudo para o cidadão brasileiro, que vai ter acesso a redes mais modernas e serviços onde hoje não tem. 

Minha expectativa é que a adaptação ocorra, mas isso depende da manifestação da vontade das operadoras. Em geral, todas são bastante favoráveis ao processo, mas vai depender efetivamente das condições concretas que forem apresentadas a elas, tanto em relação aos custos, o valor econômico da imigração, quanto em relação às obrigações que serão assumidas após essa adaptação. 

Caso não haja essa adaptação, um caminho que a gente vem sinalizando internamente é promover uma nova concessão. A obrigação da Anatel como poder concedente, havendo um serviço prestado em regime público, é garantir a continuidade do serviço, portanto a partir de 2026 deverá haver uma nova concessão. E, para isso, a gente pretende antecipar a agenda regulatória de 2023 nesse ponto, para que a área técnica já comece a elaborar um novo edital de concessão a ser feito oportunamente, para que haja uma nova concessionária no próximo ciclo. 

Claro que esse edital pode não ser aproveitado, caso todas migrem, ou caso haja outra solução, mas é algo importante porque é nosso dever garantir a continuidade desse serviço que ainda é prestado em regime público.

DPL News: Esse edital seria para o caso de devolução das atuais concessões?

Artur Coimbra: Não devolver, seria uma rescisão do contrato de concessão. Esse contrato se extingue, tanto para as concessionárias, quanto para o poder concedente, em 2025. E, para que haja a continuidade da concessão, teria que ter um novo contrato, uma nova concessão. É nessa hipótese que a gente está preparando o edital. 

DPL News: Na prática, a mudança do modelo muda alguma coisa para a população?

Artur Coimbra: O cidadão vai sentir a diferença porque ele vai ter à disposição – especialmente dos cidadãos que moram em lugares mais afastados, em localidades – uma infraestrutura mais moderna. Uma pessoa sai na rua hoje e vê o orelhão, futuramente esse orelhão vai ser substituído por uma cobertura móvel de voz ou por um WiFi gratuito, ou algum tipo de infraestrutura mais moderna que seja efetivamente de seu interesse.

Hoje um pouco mais de 30% dos orelhões não tem nenhuma chamada há mais de dois anos e mais da metade dos orelhões tem menos de uma chamada por mês. De fato é uma estrutura antiga, ninguém quer, mas ainda existe essa obrigação decorrente do contrato de concessão, então o cidadão vai ver esse orelhão ser substituído por alguma coisa que seja mais do seu interesse.

DPL News: Como a Anatel pode ajudar na redução de impostos de telecomunicações? E qual a importância disso?

Artur Coimbra: Felizmente, houve aprovação do Projeto de Lei Complementar nº 18, que, sendo sancionado, vai reduzir as alíquotas de ICMS que hoje estão numa média de 27% e 28% para 17% e 18%, uma redução significativa para as telecomunicações. A gente acredita que o número de acessos vai aumentar em função disso, mais pessoas vão contratar os serviços porque o preço vai cair. A gente tem um mercado competitivo e, por isso, a redução de impostos é repassada para o usuário de forma de redução de preço.

A partir daí, nós temos uma discussão em nível federal. A Anatel é o sujeito ativo tributário de alguns dos encargos, mas ela não tem o poder de por si só de instituir ou eliminar tributos. A despeito disso, a gente tem um interesse muito grande em reformar as taxas setoriais – estou falando da Taxa de Fiscalização de Instalação (TFI), Taxa de Fiscalização de Funcionamento (TFF), a Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (Condecine), a Contribuição de Fomento para Radiodifusão Pública (CRFP), a contribuição do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust) e do Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações (Funttel), são seis encargos setoriais.

Existe o interesse em reformar esses encargos para tratá-los de maneira única, para que eles sejam mais fácil de lidar, para que o custo administrativo das empresas de prestar contas em relação aos seus encargos seja menor e para que eles sejam menos regressivos, porque, proporcionalmente, quem tem menor renda paga mais do que quem tem maior renda na telefonia móvel. Ou seja, pobre paga mais que o rico proporcionalmente na telefonia móvel, isso é um tributo regressivo, o ideal seria que a gente revisse isso. E, para rever, precisa alterar a lei. Mas a Anatel pode atuar fazendo propostas de alteração dessa legislação.

DPL News: Que balanço o senhor faz da carga tributária que o setor de telecomunicações tem hoje?

Artur Coimbra: Hoje a gente tem uma carga tributária que está em segundo ou terceiro lugar no mundo e que certamente não trata o serviço de telecomunicações como essencial, é um serviço tributado como de luxo por uma razão muito pragmática: para os fiscos estaduais, que respondem por 83% da carga tributária sobre telecomunicações, é mais fácil cobrar muito de poucas empresas do que pouco de muitas empresas

Setores como telecomunicações, energia, óleo e gás são setores com alíquotas muito altas embora sejam essenciais, porque simplesmente é mais fácil de arrecadar, portanto não tem uma justiça tributária. Pelo contrário, a justiça tributária é deixada em segundo plano, é transformada em injustiça tributária para beneficiar o trabalho burocrático de arrecadação de impostos. 

Essa é a situação tributária hoje no Brasil e, por isso, é importante esse trabalho que foi feito no Congresso Nacional, com apoio de muitos governadores, para a aprovação do Projeto de Lei Complementar nº 18/2022 [atual Lei Complementar nº 194/2022].

DPL News: A Anatel tem aprovado a operação de várias empresas de Internet via satélite. Qual é o papel dessas empresas na massificação da banda larga?

Artur Coimbra: Depois da aprovação da Lei nº 13.879/2019, os processos de outorga do direito de exploração de satélites são mais ágeis. A Anatel não precisa fazer um leilão para outorgar o direito de exploração do satélite, especialmente o geoestacionário. Com isso, tem vindo mais interessados em ter satélites, sejam nacionais, sejam estrangeiros. Nesse meio tempo, começaram a crescer as constelações de satélite de baixa órbita. Já tem várias operando e muitas outras planejadas para serem lançadas. 

Nós temos um fenômeno acontecendo que são essas constelações de baixa órbita, e o desenvolvimento do setor de satélite vem fazendo o preço cair substancialmente. Portanto, o preço da conexão satelital vem caindo e a qualidade vem aumentando. Ao mesmo tempo, o investimento terrestre não parou. Então a gente tem um fenômeno que é duplamente benéfico para o cidadão: a rede terrestre por fibra óptica ou por rádio chegando a lugares cada vez mais longe e o satélite ficando cada vez mais barato. 

Isso significa que o satélite, por um lado, consegue orientar a sua capacidade, seus esforços comerciais para lugares mais necessitados de acesso à internet, tanto porque é o mercado que sobra para ele, quanto porque o preço está baixo e as pessoas podem contratar. Por outro lado, o satélite começa a competir com as conexões terrestres. Isso acontece, por exemplo, em periferia de cidades médias e grandes, naquela área de transição para o rural, em função do preço e da qualidade. 

A vantagem desse satélite de baixa órbita – e, por isso, a gente é bastante é enfático e quer que mais operadoras venham competir no Brasil – é que eles têm uma baixa latência. Além de ter uma capacidade de largura de banda maior, a latência é muito baixa. E para o 5G a latência baixa é fundamental. Então, se a gente quer levar 5G efetivamente para todo o Brasil, para todas as cidades brasileiras, a Amazônia, o Cerrado, o interior do Nordeste, a gente vai precisar de latência baixa e, muitas dessas áreas não há ou não é viável haver rede de fibra ótica, por isso os satélite de baixa órbita são importantes, para que o 5G se torne viável para todo o país.

DPL News: Na cerimônia de posse como conselheiro da Anatel, o senhor mencionou que a Agência precisa se aproximar de outros setores, como radiodifusão e audiovisual. Como a Anatel pode fazer isso? E qual é a importância dessa aproximação? 

Artur Coimbra: A Anatel vem fazendo cada vez mais um esforço de interação com esses órgãos, seja institucional, do ponto de vista normativo e pessoal, mas também até do ponto de vista físico. A gente tem cedido nossos prédios, compartilhado espaços com esses órgãos e isso é muito bom porque está cada vez mais difícil separar o que é conteúdo do que é meio

Na verdade, você ainda consegue separar, mas hoje tem serviços regulados como um todo – conteúdo e meio – que é o caso da radiodifusão e da TV por assinatura, e tem serviços regulados separadamente, por exemplo, o serviço comunicação multimídia, que é o acesso banda larga e que é distinto do conteúdo que trafega sobre ele. Esse conteúdo não é regulado, mas na TV por assinatura e na radiodifusão tem uma regulação sobre o conteúdo.

A gente precisa estar cada vez mais próximo desses setores para garantir que não haja a oportunidade de arbitragem, ou seja, de oportunismos decorrentes de algum ponto cego na regulamentação, mas sobretudo para equanimizar os encargos existentes sobre todos esses serviços, já que muitos deles já estão competindo entre si

A Internet compete com a TV por assinatura, quais encargos eu posso tirar da TV por assinatura para deixá-la mais competitiva? O que se pode fazer para que mais pessoas acessem esse conteúdo? Para que o conteúdo da TV por assinatura, por exemplo, também possa ser vendido pela Internet, sob quais condições isso pode acontecer? Tem uma discussão a ser feita com conteúdo – estamos falando da Agência Nacional do Cinema (Ancine) e de radiodifusão –, é o desafio de aproximação e fazer essa convergência regulatória entre meio e conteúdo.

DPL News: Na semana passada, saiu a pesquisa TIC Domicílios 2021, mostrando que o acesso à Internet e o uso da Internet nas áreas rurais do Brasil aumentaram 20 pontos percentuais de 2019 para 2021. Sabendo da sua longa carreira nos Ministérios das Comunicações e na Anatel, como você vê esse avanço? E qual a expectativa daqui para frente?

Artur Coimbra: Se alguém ainda duvidava que serviço de telecomunicações é serviço essencial e assim deve ser tratado, não tem mais essa dúvida. O que nós temos de 2019 para 2021 em vários setores é uma redução de consumo. Houve uma redução de consumo de alimentos, de bens duráveis, de vestuário, de vários bens e serviços em função da queda de renda. Mesmo diante dessa queda, houve um crescimento significativo do uso da Internet. Isso mostra como esse serviço é essencial, esse é o significado da pesquisa. Também mostra que talvez a gente esteja chegando perto do fim do desafio da infraestrutura. Talvez a gente esteja conseguindo quase universalizar a infraestrutura de telecomunicações para acesso à Internet. 

Isso significa que a gente precisa olhar para o lado da renda. Se as pessoas perderam renda nesse período em termos reais e contrataram mais acesso à Internet, isso significa que elas estão sacrificando mais para pagar esse acesso à Internet. Como é que a gente pode auxiliar essas famílias a terem um acesso à Internet sem comprometer tanto a sua renda? Esse é o próximo desafio que a gente tem e já se reflete, por exemplo, no programa Internet Brasil recentemente lançado pelo governo federal, que pretende destinar acesso móvel à Internet gratuita aos estudantes de famílias de baixa renda, para que essas famílias não comprometam mais da sua renda com algo que é essencial. Esse eu diria que é o nosso próprio desafio, conforme a pesquisa parece indicar.

Este sitio web utiliza cookies para que usted tenga la mejor experiencia de usuario. Si continúa navegando está dando su consentimiento para la aceptación de las mencionadas cookies y la aceptación de nuestra política de cookies, pinche el enlace para mayor información.

ACEPTAR
Aviso de cookies