A pressa do governo em realizar o leilão durante a atual administração teve suas consequências, e a falta de diálogo com o setor gerou um comunicado conjunto das operadoras. A comparação regional fornece mais argumentos às empresas
Em um comunicado conjunto, Claro, Movistar e Telecom Argentina pediram a revisão das condições do leilão 5G, “dado que, neste cenário, é impossível implantar” a nova tecnologia. “Portanto, será difícil a participação das operadoras móveis no leilão“, afirmaram. Eles também pediram que a atribuição do “espectro 4G, que está sem uso há mais de sete anos”, seja incluída em um processo competitivo oneroso.
O alto preço das más decisões
O espectro caro é uma palavra proibida no dicionário das telecomunicações. Os leilões com objetivos arrecadatórios são um mau começo para processos que dependem da evolução digital dos diferentes mercados. O Brasil entendeu isso em suas bases para a quinta geração, com um leilão que finalmente comprometeu 95% de seu valor econômico em investimentos e apenas 5% em pagamento direto ao Estado. A Argentina teve a oportunidade, mas a necessidade de dólares pendeu a balança para o lado oposto ao desejado pela indústria, que já expressou seu descontentamento.
O Ente Nacional de Comunicações (Enacom) disponibilizará três blocos de 100 MHz na faixa de 3,5 GHz. Os compromissos estão associados à instalação de estações-base em diferentes partes do país, seguindo um cronograma que será concluído em sete anos. As ofertas podem ser apresentadas até 29 de setembro, e os resultados são esperados para as primeiras semanas de novembro, logo após as eleições presidenciais e antes de um possível segundo turno, que atualmente é considerado provável nas pesquisas. O limite de acumulação de espectro para o serviço Stefi é de 200 MHz por licenciado em cada área de exploração, e as concessões terão uma duração de 20 anos.
É justo fazer uma breve revisão do que aconteceu com esse assunto no país. O ministro da Economia, Sergio Massa, havia dito que o leilão ocorreria em fevereiro; no entanto, a realidade local e as dúvidas da indústria fizeram com que os prazos fossem adiados mais de uma vez. No meio disso, houve reivindicações de um lado e de outro, e a implementação de regras para que as operadoras com rede hospedem a Telecentro como Operadora Móvel Virtual (OMV), o que inicialmente foi visto como uma jogada que poderia ter uma segunda etapa no edital 5G, algo que não aconteceu.
Portanto, existem três pontos na subasta 5G que geram dúvidas na indústria, e o primeiro deles é o preço: 350 milhões de dólares por bloco (que pode ser pago em pesos de acordo com a taxa do Banco da Nação) é um valor que está longe das demandas das operadoras e até mesmo das contas normalmente usadas para calcular um preço adequado para esse tipo de evento. Os outros dois são: destinar mais 100 MHz à empresa estatal Arsat, que também terá a opção de ficar com blocos que eventualmente não sejam adquiridos no leilão, e a implementação de uma tarifa social, que remete à possibilidade de que uma ideia semelhante ao ainda vigente DNU 690 faça parte das regulamentações da 5G.
Preço
“Cabe destacar que o preço atribuído a cada um dos blocos de 100 MHz é muito elevado em relação à situação macroeconômica do país, de nossos clientes e do setor. Como referência, o preço base estabelecido supera em 300% o da mesma faixa estabelecida pelo Brasil“, começou a reivindicação assinada pelos três provedores móveis com rede própria na Argentina.
Fazendo uma comparação regional, o leilão da Argentina custa USD 0,081 por MHz/POP, enquanto o do Brasil, que possui uma ARPU semelhante à argentina, custou apenas USD 0,004 por MHz/POP para os cofres públicos. Os leilões do Chile e do Uruguai têm um preço semelhante, mas lá a ARPU é quase o dobro da argentina. Além disso, é importante esclarecer que ambos os leilões foram criticados por seus preços elevados.
América Latina | Espectro asignado en 3.5 GHz para 5G | ||||
País | Espectro alocado (3,5 GHz) | População estimada | USD/MHz/Pop* | ARPU (2021)** |
Chile | 3 blocos de 100 MHz | 19,49 milhões | USD 0.129 | USD 10.6 |
República Dominicana | 2 blocos de 70 MHz | 11,1 milhões | USD 0.05 | |
Brasil | 3 blocos nacionales de 100 MHz y bloques regionales | 214,3 milhões | USD 0.004 | USD 5.51 |
Uruguai | 3 blocos de 100 MHz | 3,4 milhões | USD 0.082 | USD 9.13 |
Argentina | 3 blocos de 100 MHz (previsto) | 46,04 milhões | USD 0.081 | USD 5.10 |
*Valor estimado
**Fonte: GSMA
Já em um relatório anterior enviado ao regulador, a Asiet havia alertado sobre as dificuldades específicas que a Argentina enfrenta em termos de telecomunicações. Sua análise, que considera o PIB, concluiu que o valor estimado de uma licença de 20 MHz para um bloco de 100 MHz na faixa de 3,5 GHz “deveria estar entre 55 e 110 milhões de dólares“, ambas as cifras abaixo do valor finalmente estabelecido. O relatório sugeriu até mesmo a prorrogação das licenças para a tecnologia 5G para até 30 anos e a criação de mecanismos para facilitar a renovação após o vencimento, como a presunção de renovação automática.
Outras polêmicas: espectro para a Arsat e tarifa especial
Sobre o espectro destinado à Arsat, Silvana Giudici, diretora do Enacom pela oposição – os representantes do Juntos por el Cambio votaram contra o edital 5G e os 100 MHz para a estatal – se pronunciou. “Ela pretenderá montar uma empresa de telefonia celular quatro meses antes de deixar o poder ou será que, através da Arsat, eles vão se associar a alguma empresa privada que ofereça 5G sem passar pelos processos atuais?”, questionou a também presidente da Fundação LED. De acordo com a resolução publicada, a Arsat terá esse espectro para “a implementação de um plano estratégico de conectividade federal do Estado Nacional“.
Neste ponto, as operadoras rotularam a alocação gratuita para a estatal como “outra contradição e distorção econômica anticompetitiva e irregular” e “um fato de enorme insegurança jurídica”.
Em relação à tarifa especial, ou aquela destinada a “setores de baixa renda”, a resolução afirma que será implementada quando a tecnologia usada para fornecer o Stefi for adotada por mais de 50% dos usuários finais usando terminais adequados e acrescenta que, para cumprir, as operadoras apresentarão um plano que deverá ser aprovado pela autoridade reguladora; o benefício pode atingir até um terço do total de usuários, divididos igualmente entre os beneficiários.
A proposta está diretamente relacionada com a regulamentação do DNU 690, que ainda está em vigor no país como Prestação Básica Universal (PBU) para telefonia móvel, fixa, Internet e TV paga, por considerar esses serviços como essenciais em competição. A PBU é simplesmente uma prestação mínima a um preço preestabelecido para determinados usuários, especificamente aqueles com baixa renda, que foi parte das reclamações feitas pelas operadoras durante esta administração. Claro, Telefónica e Telecom entendem isso desta vez, pois reclamaram que o edital impõe “planos e regulação de preços, claramente uma cópia do DNU 690”.
Neste contexto, a pressa do governo em realizar a subasta durante a atual administração teve suas consequências, e a falta de diálogo com o setor gerou um comunicado conjunto das operadoras menos de 72 horas após a aprovação do texto nas dependências do Enacom. O futuro volta a ser imprevisível em um país que, até o momento, não conseguiu superar os desafios apresentados por uma subasta desse tipo, nem que ela seja condicionada pelo contexto local marcado por sérios problemas macroeconômicos e uma disputa política que vai além das urnas.