?Entrevista | “O Brasil tem vocação para tecnologia”: Sergio Paulo Gallindo, Brasscom

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O Brasil tem vocação para tecnologia, mas ainda possui graves gargalos para seu desenvolvimento, como o modelo de tributação brasileira, segundo Sergio Paulo Gallindo, presidente da Brasscom (Associação das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação e Tecnologias Digitais).

A associação reúne empresas que são intensivas em tecnologias digitais e atua com o propósito de trabalhar para um Brasil digital, conectado e inovador. Em entrevista à DPL News, Gallindo explicou que a Brasscom tem um plano estratégico para este ano com três pilares: Tributação, emprego e competitividade; Formação de talento; e Vida e cidadania digital.

Esses temas são abordados no grupo com estudos e propositura e defesa de políticas públicas. “Nós fizemos, em 2019, um estudo sobre educação e empregabilidade em TIC – até hoje é o número mais citado no Brasil – e estamos trabalhando agora, por exemplo, em desenvolvimento de grades curriculares conceituais sobre tecnologia”, comentou.

Na conversa com esta reportagem, Gallindo falou sobre o potencial do Brasil na área tecnológica e citou os principais entraves para o desenvolvimento do país: tributação, mão de obra qualificada e regulação. “Tudo isso é desafio. Mas o bacana de enfrentar os desafios é que eles vão ser a saída para que a gente confirme e expanda essa vocação do Brasil.”

As taxas de crescimento nominais de TIC e de TI in house foram bastante superiores às taxas de investimento da própria economia brasileira

DPL News: Qual é a posição da indústria TIC brasileira em relação ao resto do mundo? 

Gallindo: No ano passado, o Brasil teve uma receita bruta total de todo o macrossetor* de R$ 506 bilhões, que corresponde a 6,8% do PIB. Além disso, a gente tinha no ano passado um estoque de empregos de 1,62 milhão, e esse montante incorporou 59 mil novos empregos. As taxas de crescimento nominais de TIC e de TI in house foram bastante superiores às taxas de investimento da própria economia brasileira.

No âmbito internacional, o Brasil é a nona economia mundial de tecnologia. Então, do ponto de vista do ranking, a gente está bem, mas ainda tem muito para crescer. Nosso potencial é de ser ainda mais protagonista em tecnologia, por isso a necessidade de continuar investindo em tecnologia e em pessoal qualificado.

*Para o macrossetor, a Brasscom inclui os setores TIC, de empresas de software, hardware e serviços; Telecom; e TI in house, que é uma estimativa da produção de tecnologia em empresas que não se monetizam com tecnologia, como grandes bancos e suas áreas de TI.

No âmbito internacional, o Brasil é a nona economia mundial de tecnologia

DPL News: E quais são os desafios da área TIC no Brasil?

Gallindo: Eu acho que o principal desafio do setor de tecnologia é o sistema tributário brasileiro, que é muito perverso em relação à toda produção empresarial. No caso dos serviços, por exemplo, tem a questão da contribuição previdenciária que é muito ofensiva. Para hardware, o ICMS (Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação) de manufaturados é grave. Em software, tem as questões de royalties. E as telecomunicações é a situação mais exasperadora porque, além de estar numa cadeia de ICMS, que é a cadeia mais onerosa, o serviço não dá crédito para o cliente (ferramenta que impede a acumulação do imposto e reduz o impacto no valor final do produto).

O posicionamento da Brasscom é que precisamos de uma reforma tributária verdadeiramente estruturante. Então nós apoiamos a unificação de todos os tributos, a eliminação do tipo tributário CIDE (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico), porque tributa os insumos produtivos, e, por fim, a gente defende a desoneração da folha de pagamento para todos os setores da economia. Para que isso seja viável, ou se usa o IBS (Imposto sobre bens e serviços) ou tem que mobilizar uma outra base tributária para financiar a previdência. Essa é a nossa visão: é uma tributação inteligente voltada para a competitividade.

O posicionamento da Brasscom é que precisamos de uma reforma tributária verdadeiramente estruturante

DPL News: E quanto à escassez de chips, como isso está afetando o Brasil?

Gallindo: O Brasil tem uma uma indústria que é importante, 45% do setor é na parte de produção de hardware, mas ela não é tão pujante quanto poderia ser. A gente tem basicamente fabricação de celulares e de computadores e com um baixo valor agregado. Então, a escassez de chips afeta o Brasil? Sim. Mas eu não sei se afeta diferentemente em relação à média do mundo, por conta deste fato de que o Brasil tem uma fabricação com baixíssimo valor agregado.

E é importante ter essa indústria, mas a gente não tem cadeias produtivas dentro da parte de hardware, e nem inserção em cadeias produtivas internacionais.

DPL News: A formação de talentos também é um desafio, segundo os dados da Brasscom. O que falta para o Brasil superar esse problema?

Gallindo: No estudo de 2019, a gente calculou a demanda de profissionais: são 420 mil profissionais no período de 2019 a 2024. Isso é, em média, 70 mil por ano. Mas o Brasil só forma 45 mil. 

O primeiro ponto importante que afeta isso é o baixo interesse dos jovens por essa carreira. São 2,1 candidatos por vaga no ensino superior e tecnólogo. Enquanto em Engenharia são 3,3; Direito 3,5; e Medicina 40.

O segundo problema é que, no processo de admissão, somente 32% dos estudantes que se inscrevem, passam. Aqui a gente tem uma outra possibilidade, que é a debilidade do ensino médio. O ensino não está dando conta de formar meninos e meninas de uma forma consistente nas bases da tecnologia, que são fundamentalmente algumas partes da matemática, muita lógica e também a habilidade de ler e entender o conteúdo.

A desistência ao longo da jornada é de 69%. Ou seja, a gente conclui com 10% do potencial de ensino. A nossa hipótese é que os cursos mais modernos, como Engenharia de Software e Computação, são mais atraentes para os jovens porque estão ensinando o que as empresas precisam, então eles conseguem vislumbrar um futuro. E outros cursos, como Redes e Internet, podem estar com as suas grades curriculares obsoletas.

Quando a gente olha as funções técnicas, 76% das posições eram ocupadas por homens

O terceiro achado vem da análise da evasão. Alunos matriculados nas redes particulares de ensino e que têm apoio econômico, têm um nível de evasão muito menor do que os que estão na rede privada e não têm apoio. A rede pública tem uma evasão surpreendentemente alta, na nossa visão.

Daqui vem a hipótese de que nós estamos diante de uma insuficiência socioeconômica. O menino ou a menina entra no ensino superior pressionado pela família, principalmente aqueles que estão em situação de vulnerabilidade, e eles fazem a opção de “fazer o corre” (trabalhar) e perdem a oportunidade. Não só o indivíduo perde a oportunidade, como o país também perde a oportunidade.

Outro ponto importante é a habilidade emocional. Nossas empresas costumam dizer que contratam profissionais pela competência técnica e demite por falta de habilidade socioemocional. Esse também é um grande entrave a ser trabalhado. 

E, por fim, é a questão sociorracial. Em 2019, tínhamos 37% de homens brancos, 22% de mulheres brancas, 19% de homens negros e 11% de mulheres negras. Quando a gente olha as funções técnicas, 76% das posições eram ocupadas por homens. E muito possivelmente a proporção de homens negros é bem menor.

De alguma maneira, durante a jornada do ensino médio, um contingente expressivo vai se desencantando e chega à conclusão infundada de que tecnologia não é para ele. As meninas brancas e os meninos negros se desencantam. As meninas negras provavelmente nem sequer cogitam. E por que isso acontece? É uma característica construída por uma jornada de bullying e, quanto mais em vulnerabilidade está o aluno, menos ele vai pensar em tecnologia.

DPL News: Existe algum ponto ideal para a regulação de tecnologias?

Gallindo: Existem duas formas de fazer a regulação: ex-ante e ex-post. Você deve aplicar uma regulação ex-ante quando se está lidando com grandes infraestruturas, que são críticas para o país e que para as quais você não tem outras saídas. O grande exemplo é telecomunicações. A área celular tem um essential facility que não pode ser negligenciado: espectro de radiofrequência, porque é um ativo finito.

Estamos às portas do leilão para concessão dos espectros para o 5G e isso deve ser feito exatamente dessa maneira: com distribuição equitativa, garantindo que as empresas vão usar bem este recurso. Essa é a técnica ex-ante.

Agora, dá uma olhada no mundo e vê o que mais se faz em regulação sobre tecnologia? Nada, porque o que impulsiona a tecnologia é a inovação. E é a inovação que faz, ao longo do tempo, tirar aquilo que já não faz sentido e colocar o que faz sentido no lugar. Cadê o celular da Nokia? Foi parar no museu. E o Windows no celular? Não deu certo, o Google e a Apple fizeram o melhor trabalho. Por que você precisa regular essas coisas? Não precisa.

DPL News: Por fim, eu gostaria de abordar o 5G. A expectativa das empresas TIC é de que a tecnologia vai ajudar mais nos processos internos ou no desenvolvimento de novas aplicações?

Gallindo: Toda vez que a gente tem uma nova tecnologia de telecomunicação, a gente tem oportunidades de desenvolvimentos cruzados, porque quanto a Internet se aperfeiçoa, você destrava um monte de aplicações que são feitas pelas empresas de softwares e de serviços. 

Por exemplo, nós ainda estamos ainda numa pandemia, e o que nós estamos fazendo aqui? Uma reunião no Zoom. Se a pandemia tivesse acontecido 5 anos atrás, a gente ia estar numa situação bem delicada, porque naquela época a Internet não dava conta da sofisticação, do tráfego, do roteamento e até mesmo da resolução do que a gente tem hoje com o Zoom, com o Teams, entre outras.

Toda vez que eu tenho uma nova tecnologia entrando na Internet, essa tecnologia é habilitadora da continuidade da inovação. E isso é um ciclo virtuoso. A Brasscom prevê R$ 413 bilhões em investimentos em tecnologias de transformação digital e mais R$ 431 bilhões em tecnologias de mobilidade e conectividade, de 2021 a 2024. E olha a boa notícia: 70% das tecnologias de transformação digital são aplicadas em serviços de software, significa que precisa de muita gente.

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