O novo presidente da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), Carlos Manoel Baigorri, assumiu o cargo em um momento decisivo para o Brasil: de rápidos avanços tecnológicos, de implementação do 5G e de massificação do acesso à Internet, para nomear alguns dos processos.
A DPL News conversou com Baigorri para entender como a Agência vê os desafios gerados por essas transformações, como o atraso do 5G no Brasil devido à limpeza da faixa de 3,5 GHz, as desistências da faixa de 26 GHz e o desenvolvimento do ecossistema do Wi-Fi 6.
Para Baigorri, as desistências na faixa de 26 GHz fazem parte do jogo e refletem as incertezas sobre os modelos de negócios nesta frequência. O objetivo da Anatel, ao colocar a faixa disponível, era permitir que as empresas testassem as possibilidades. “A primeira [desistência] foi a Fly Link, que desistiu antes de assinar o contrato”, comentou. “Já a Neko chegou a assinar a outorga e desistiu. O edital prevê multas e outros tipos de sanções que serão executadas com todo o rigor”.
O presidente da Anatel também falou sobre a disponibilização de novas frequências para o 5G, o modelo de redes neutras, as assimetrias regulatórias entre empresas de telecomunicações e over-the-tops (OTTs), a renovação de licenças de uso de espectro para as operadoras e a Lei do SeAC. Leia a entrevista completa:
DPL News: A Anatel enfrenta novos desafios com a implementação do 5G. Quais você diria que demandam maior atenção da Agência neste momento?
Carlos Baigorri: Penso que os dois maiores desafios do 5G neste momento estão associados aos grupos de acompanhamento que foram instaurados a partir do Edital. O primeiro é o Gaispi (Grupo de Acompanhamento da Implantação das Soluções para os Problemas de Interferência na faixa de 3.625 a 3.700 MHz), que é coordenado pelo conselheiro Moisés Moreira, e tem a responsabilidade de fazer a limpeza da faixa de 3,5 GHz e a execução dos projetos do Norte Conectado, que vai levar conectividade numa rede de fibra óptica subfluvial na região Amazônica, bem como a construção de uma rede de comunicação segura para o governo federal.
É um grande projeto e dou destaque para a questão da limpeza da faixa de 3,5 GHz, porque enquanto a gente não fizer a limpeza dessa faixa, o 5G nessa faixa – que é a principal do 5G – não poderá ser ativado no Brasil.
Na semana passada, o Gaispi decidiu prorrogar por 60 dias o prazo da limpeza da faixa em razão dos desafios encontrados na condução desse trabalho. Eu acho que esse é o primeiro desafio: limpar a faixa dos 3,5 GHz para que o 5G entre em operação.
O segundo desafio é coordenado pelo conselheiro Vicente Aquino, no âmbito do Gape, que é levar conectividade para as escolas públicas do Brasil com os recursos de aproximadamente R$ 3 bilhões que foram levantados durante o leilão.
DPL News: O que significa o prazo adicional de 60 dias solicitado pelo Gaispi? O 5G vai ser necessariamente adiado nesta faixa?
Carlos Baigorri: Sim, vai ser adiado porque o edital previa que a limpeza aconteceria até 30 de junho deste ano e as empresas teriam um mês, até o dia 30 de julho para ativar o 5G nas capitais. Agora o prazo de limpeza é 30 de agosto. Uma vez limpa a faixa, as empresas têm 30 dias para colocar em operação. Ou seja, a meta das operadoras será dia 30 de setembro.
Houve um atraso de 60 dias na implantação do 5G no Brasil em razão do desafio que é fazer a limpeza dessa faixa. E estamos falando das estações profissionais que usam a faixa 3,5 GHz, existem diversos sistemas profissionais que precisam ser adequados com a instalação de filtros e adaptação de sistemas para que eles não sejam interferidos pelo 5G.
DPL News: A Neko apresentou um pedido de renúncia na semana passada, o tema ainda vai passar pelo Conselho Diretor. Por que a faixa de 26 GHz despertou menos interesse no leilão e teve duas desistências? O FWA é um modelo viável no Brasil?
Carlos Baigorri: A faixa de 26 GHz ainda traz muitos desafios para as operadoras. É uma faixa que ainda tem um ecossistema consideravelmente limitado, o principal caso de uso é o FWA e ainda não existe uma escala muito grande dos CPEs, que são caros. Entendo que as empresas estão ainda testando os seus modelos e, como é uma faixa exploratória, praticamente não tem obrigações.
Lembro que o ministro Raimundo Carreiro, que foi relator [do edital do 5G] no Tribunal de Contas da União (TCU), perguntou o que as empresas vão fazer com essa faixa. A gente disse que tem alguns casos de uso, mas a questão é que a faixa de 26 GHz na mão do Estado não tem valor nenhum, por isso colocamos para o mercado. Agora nós temos as expectativas de ver o que o mercado vai fazer. Recentemente, a TIM anunciou ter alcançado a velocidade de 5 Gbps usando o 26 GHz. Eu acho que existe potencial, mas ainda precisa ter um caso de uso bem desenhado.
E sobre as desistências, é do jogo. As empresas entraram no leilão, compraram e desistiram. A primeira foi a Fly Link, que desistiu antes de assinar o contrato. É uma desistência que não gera muitos efeitos. Já a Neko chegou a assinar a outorga e desistiu. O edital prevê multas e outros tipos de sanções que serão executadas com todo o rigor com a Neko.
DPL News: A Anatel destinou uma grande quantidade de espectro para o leilão do 5G, o que foi elogiado pelo setor de telecomunicações, e agora a Agência está estudando destinar as faixas de 4,8 GHz e 28 GHz para o 5G também. Quais seriam as vantagens? Seria necessário outra licitação?
Carlos Baigorri: Sim. Nós fazemos um trabalho contínuo, não só no âmbito da Anatel, mas no âmbito da região das Américas por meio da Citel e no âmbito internacional por meio da UIT. Nossos especialistas, especialistas do mundo inteiro e a indústria estão sempre discutindo outras faixas que podem ser identificadas e destinadas para o 5G e para outros serviços.
É um trabalho que continua acontecendo e, quando novas faixas forem destinadas para o 5G ou para qualquer outro serviço, a forma como o Estado brasileiro disponibiliza essas radiofrequências para o mercado é por meio de licitação pública. Então, quando a gente colocar a faixa de 4,8 GHz, 10,5 GHz ou de 28 GHz para o mercado, vamos fazer uma licitação basicamente no mesmo modelo do leilão que fizemos recentemente.
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A gente está estudando as faixas de 10,5 GHz e os lotes que não foram licitados na faixa de 26 GHz, em geral, destinar mais espectro para serviços massivos como o 5G é bom no sentido que tem um benefício, reduz o custo das empresas.
Se colocamos mais espectro disponível, elas conseguem, muitas vezes, reduzir o custo de prestação de serviço, o que no ambiente competitivo vai ser refletido em preços melhores para o consumidor.
O mercado de telecomunicações sempre precisa de mais espectro e esse é o nosso desafio junto com o setor e com outros países: identificar esses espectros que hoje não estão destinados ao 5G e que podem ser destinados não só para o 5G, mas para o 6G e para outras tecnologias.
DPL News: Já tem mais de um ano que a Anatel atribuiu a faixa de 6 GHz para o uso não licenciado. Como o ecossistema está evoluindo?
Carlos Baigorri: Já há alguns equipamentos homologados na faixa de 6 GHz para o WiFi 6E, mas ainda não temos um ecossistema em termos de uso massivo pelas empresas e pelos usuários. Nós temos a expectativa de que isso aconteça. Sabemos que uma decisão desse tamanho não vai surtir efeitos imediatos, mas nós estamos plenamente confiantes da nossa decisão.
Foi uma decisão tomada justamente em conjunto com o edital do 5G. O entendimento do Conselho Diretor, com o edital do 5G, foi que a gente permitiria que empresas novas, regionais e grandes, oferecessem serviços de altíssima velocidade, com baixíssima latência. Mas nós temos mais de 10.000 provedores de banda larga no Brasil que certamente não vão ter acesso ao 5G e, para que eles possam oferecer um serviço parecido com o 5G dentro da residência das pessoas, é por meio do WiFi.
Por isso, de uma forma equilibrada, demos bastante espectro para o 5G e demos também bastante espectro para o uso não licenciado, que poderá ser utilizado para o WiFi, para que esses ISPs que não compraram faixa de 5G possam oferecer para os seus consumidores uma experiência de uso muito parecida com o 5G.
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DPL News: O modelo de redes neutras está se aquecendo no Brasil e alguns atores pedem a regulação delas. Qual é o papel da Anatel neste tema?
Carlos Baigorri: Elas vão ser reguladas porque são empresas que prestam serviços de telecomunicações. Entendo que muitos estão pedindo uma regulação econômica baseada na promoção da concorrência. Hoje, nós temos um arcabouço regulatório cujo principal instrumento é o Plano Geral de Metas de Competição (PGMC), que segue muito o modelo europeu de análise de mercados relevantes, identificação de prestadores com poder de mercado significativo e endereçamento de assimetrias regulatórias para essas empresas com poder de mercado significativo. Precisamos ver os estudos que estão acontecendo na área técnica sobre o PGMC, mas eu gostaria de destacar que o objetivo do PGMC é evitar que aconteçam abusos de poder no mercado em uma estrutura verticalizada.
Em uma estrutura verticalizada, uma empresa, por exemplo, que é operadora celular e também é dona das torres, poderia dizer “olha, eu sou dona das torres e eu não quero compartilhar minha infraestrutura com meu concorrente”. Era um jeito de proteger o mercado, impedindo o acesso de novos competidores.
O PGMC e a nossa regulação econômica e pró-concorrencial tentam endereçar esse tipo de conduta. Só que esse problema existe quando tem verticalização – uma empresa que atua no atacado e no varejo.
Com as redes neutras, o modelo que está se apresentando é com empresas que atuam exclusivamente no atacado. Se elas de fato atuarem exclusivamente no atacado, a gente tem a desverticalização.
Entendo que, em havendo a desverticalização do mercado da banda larga com a criação das redes neutras, o potencial de risco de abuso de poder de mercado reduz-se significativamente, o que tira a razão de se regulamentar com base nessas premissas de abuso de poder dominante.
DPL News: Uma demanda do setor é a simetria regulatória entre as OTTs e as teles. Faz parte do plano da Agência garantir essa simetria? Como a Anatel pretende fazer isso?
Carlos Baigorri: Sim, faz parte do plano da Anatel garantir um ambiente de mais justa concorrência entre os serviços regulados, de telecomunicações, e os serviços não regulados, over-the-top.
Como garantir essa simetria?
Nós não temos competência legal para regulamentar essas plataformas e empresas da Internet. Diante disso, a única saída que nós temos é desregulamentar as empresas de telecomunicações.
Porque, se tem duas empresas disputando o mesmo mercado com regras muito diferentes, o Estado está definindo quem ganha e quem perde essa disputa por meio das regras. E não é nosso papel interferir no domínio econômico a ponto de escolhermos quem ganha e quem perde, nosso papel é garantir um ambiente de justa concorrência. Aquele que prestar o serviço de melhor qualidade, que for mais inovador e mais eficiente de custos, ganha o mercado.
A forma que nós temos para garantir essa justa concorrência, pela impossibilidade de colocar regras nos operadores da Internet, é retirar regras dos operadores de telecomunicações. Dentro dessa agenda, nós temos a guilhotina regulatória, que é o nosso grande projeto para reduzir a carga regulatória e tentar reduzir a assimetria entre empresas de telecomunicações e as empresas não reguladas, do mundo da Internet.
DPL News: Algumas operadoras renovaram e têm que renovar as licenças de espectro, mas a questão da renovação sucessiva não ficou clara porque o TCU está analisando o tema. Como você vê o processo?
Carlos Baigorri: Nós vemos esse processo com muita tranquilidade. Foi aprovada a Lei 13.879/2019 e foi publicado um decreto. O conjunto da lei e do decreto nos dão muita segurança quanto à possibilidade de renovação das faixas de radiofrequência, inclusive aquelas que já estavam outorgadas quando da aprovação da lei. Com base na lei e no decreto, que nós presumimos que são constitucionais, nós tomamos a decisão.
Agora o processo está se discutindo no TCU, mas até o momento não houve nenhuma decisão por parte do Tribunal, nem por parte do ministro relator Augusto Nardes, no sentido de voltar atrás ou de suspender a decisão. Enquanto não houver nenhuma manifestação nesse sentido por parte do tribunal, nós seguimos com a nossa decisão.
DPL News: Gostaria de um comentário sobre a Lei do SeAC, que ainda está em revisão. Qual é o ponto mais importante da revisão? Qual problema da Lei a Anatel quer resolver nesse processo?
Carlos Baigorri: Essa discussão da necessidade de revisão da Lei do SeAC surgiu no Congresso Nacional e na opinião pública quando estava acontecendo a operação da AT&T com a Warner. O caso chegou aqui no Brasil e muitos diziam que não poderia ser aprovado em razão dessa lei, que para a operação ser aprovada, a lei precisaria ser mudada. Mas a Anatel, o Cade e todos os órgãos da administração pública brasileira envolvidos já aprovaram a operação, a operação já foi concretizada com a lei do jeito que está. Então, particularmente, não estou inteirado dos temas necessários de alteração da Lei do SeAC.
O fato é que a Lei do SeAC foi construída num contexto e esse contexto mudou significativamente desde 2012. Uma lei que trata da estrutura de um mercado exposto à tecnologia sempre corre o risco de ficar obsoleto em pouco tempo, mas, nesse momento, eu não vejo na Anatel nenhuma situação que demande urgentemente a necessidade de alteração da Lei do SeAC. Agora, o Congresso Nacional é soberano, a hora que ele quiser entender necessário alterar a lei, a Anatel está pronta para cumprir a lei.
A Anatel também participou do Grupo de Trabalho do Ministério das Comunicações. Entendo que o relatório do GT reflete muito bem a percepção que se tem do mercado hoje, mas nada mais do que isso. Hoje, não temos nenhum problema concreto que demande a alteração da lei.